Epidemias deixam a economia combalida desde a idade média
Por: Leonardo Weller e André Sant’Anna
Epidemias não são novidade; muito pelo contrário, surtos de doençasinfectocontagiosas mataram muita gente no passado. A história tem bastante a nos ensinar sobre a pandemia de Covid-19, tanto em relação ao seu combate quanto suas possíveis consequências na sociedade.
A epidemia mais notória da história foi a Peste Negra, que vitimou um terço da Europa no século XIV. A mortandade reduziu a oferta de mão-de-obra a ponto de enfraquecer os senhores de terras frente aos servos, abrindo espaço para o fim do feudalismo.
A introdução de doenças euroasiáticas nas Américas, após a chegada de Colombo, teve consequências tão ou mais drásticas. Estima-se que 90% dos nativos padeceram de enfermidades como o sarampo e a gripe no século XVI, um extermínio que possibilitou a conquista de grandes impérios americanos por parte de um punhado de ibéricos.
Epidemias dessa magnitude são improváveis hoje em dia. Graças à ciência, foi possível erradicar algumas doenças e limitar o contágio das que ainda existem. Sem o entendimento do que são vírus e bactérias, estaríamos lidando com novas pestes negras.
As epidemias atuais são menos mortíferas do que as do passado, mas ainda causam estrago, como estamos lamentavelmente vivenciando com o Covid-19.
A pandemia mais parecida com a atual foi a influenza de 1918, conhecida como gripe espanhola —erroneamente, pois a doença não teve início na Espanha. A influenza matou cerca de 40 milhões de pessoas, o equivalente a 2% da humanidade. Se aplicarmos esta proporção na população mundial atual, chegaríamos a nada menos do que 150 milhões de óbitos.
A comparação entre a pandemia de um século atrás com a atual é relevante, pois a influenza matou cerca de 6% dos enfermos, bem próximo da taxa verificada com o Covid-19. O que tornou a “gripe espanhola” tão mortífera foi a imensa contaminação mundo afora.
Felizmente, as condições sanitárias atuais são bem melhores do que há um século, quando a humanidade era mais pobre e ignorante, a medicina era relativamente rudimentar e a oferta de água potável, limitada. Ademais, as sociedades e os governos são hoje, em geral, mais sensíveis à morte de concidadãos do que no passado.
Ainda assim, a taxa de mortalidade foi bastante heterogênea ao redor do mundo em 1918. Já naquela época, os países que adotaram quarentena se saíram melhor: a Austrália foi um caso de sucesso, com a menor taxa de mortalidade.
Mas, via de regra, governos ignoraram medidas de distanciamento social ou as implementaram mal. Países pobres, praticamente desprovidos de políticas sanitárias, foram os que mais sofreram: a Índia concentrou 42% das mortes da influenza.
Segundo artigo recente de Robert Barro, economista de Harvard, o isolamento social conseguiu achatar a curva de mortalidade nos EUA entre 1918 e 1919, mas, mesmo assim, muita gente morreu. Os resultados poderiam ter sido melhores se a quarentena tivesse durado mais: ela não passou de um mês.
Outro artigo, também recente, de Robert Barro e coautores estima que a influenza reduziu o PIB de países tipicamente afetados pela pandemia em 6,2%. Os Estados Unidos tiveram uma performance melhor, com queda estimada em 1,5%, contra 15,6% na Índia. Muito mais indianos morreram do que estadunidenses, o que se refletiu em resultados econômicos tão díspares.
Em artigo sobre os efeitos da influenza em São Paulo, pesquisadores da Brandeis University —Amanda Guimbeau, Nidhiya Menon e Aldo Musacchio— relatam que o governo estadual falhou no combate à doença. Cerca de 22% dos paulistanos se contaminaram e mais de cinco mil morreram entre outubro e dezembro de 1918. Proporcionalmente à população atual, o número de mortes equivaleria a 130 mil —apenas na cidade de São Paulo.
Os autores afirmam que a influenza reduziu significativamente a produção agrícola paulista. Homens adultos eram mais suscetíveis à doença, que, portanto, debilitou bastante a força de trabalho.
A principal lição da influenza é que, com taxa de mortalidade similar, a Covid-19 é potencialmente perigosíssima. Os países que ignorarem a pandemia correm o risco de seguir o apavorante exemplo da Índia de cem anos atrás.
Com os recursos sanitários e as políticas públicas atuais, contudo, é possível fazer com que a Covd-19 seja apenas uma sombra do que a influenza foi em 1918. A pandemia atual não nos condena a uma mortandade inexorável, como nos querem fazer crer alguns.
Entretanto, é fundamental que governos promovam a adoção de medidas de distanciamento social. O poder público também deve apoiar os mais vulneráveis, a fim de limitar os impactos desiguais que a doença terá na sociedade.
A segunda lição da influenza de 1918 é econômica: não houve trade-off entre o distanciamento social e perda de PIB. Os países com mais mortes foram os que enfrentaram as maiores recessões. Além de salvar vidas, a quarentena reduziu os estragos da doença na economia.
Por fim, vale lembrar que, apesar de todo o auxílio da medicina e do conhecimento científico, as decisões relevantes no combate à pandemia são fundamentalmente políticas. De nada vale dispor da Biblioteca de Babel se os governantes são obtusos – se não aceitam lições da Ciência nem da história.
O estrago político gerado pelo obscurantismo remete à última lição proposta neste artigo: não há saída fora da ciência, sem a qual estaríamos ainda condenados às epidemias do passado, com custos humanos e econômicos muito mais terríveis do que os de agora.
Leonardo Weller
Doutor em história econômica pela London School of Economics, professor da FGV/EESP
André Sant’Anna
Doutor em economia pela UFRJ, professor colaborador do PPGE/UFF
Fonte: Folha de São Paulo
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